Antes de começar, não posso deixar de manifestar a reacção de estranheza que, de imediato, a expressão apresentada – «Agora é que a porca ruça torce o rabo» – me causou, não porque a não reconhecesse, mas porque me apareceu, aqui, com uma outra forma, em que o adjectivo – ruça – surge como atributo de porca. De facto, a expressão que sempre ouvi e que, naturalmente, faz parte do meu universo de referências é «Agora é que a porca torce o rabo», expressão esta que corresponde à que surge no Dicionário de Expressões Populares Portuguesas de Guilherme Augusto Simões (Lisboa, Dom Quixote, 1993) e também no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora [tanto no de uma edição antiga, como no da mais actual], para significar «agora é que começam as dificuldades» (Dicionário de Expressões Populares Portuguesas, idem), utilizando-se, habitualmente, sempre que «surgir alguma dificuldade num assunto» (Dicionário da Língua Portuguesa, idem). Desconhece-se a origem dessa expressão, que não aparece entre as analisadas no Dicionário das Origens das Frases Feitas de Orlando Neves (Porto, Lello, 1992). Mas sabe-se que a palavra porca é do gosto popular para significar algo desagradável ou não muito desejado, aparecendo sempre com uma carga semântica negativa, como se pode verificar noutra expressões popular, porca de vida (simbolizando «vida difícil, atribulada»). Talvez porque a porca (e o porco, também) viva, habitualmente, num chiqueiro, tenha muitos filhos de cada ninhada (o que pressupõe sofrimento, preocupações…) e pareça andar sempre à procura de qualquer coisa para comer, chafurdando na lama… De qualquer modo, depreende-se o sentido de «dificuldades» a partir do verbo torcer, que implica «dobrar, entortar» (idem), algo que obriga a que se altere uma determinada forma, a que se force a posição natural, sujeitando o corpo a outra. Sobre a utilização de ruça ou russa nessa expressão: Embora tenhamos a sensação de que conhecemos o valor de uma grande maioria das palavras da nossa língua, sempre que nos é colocada qualquer dúvida, somos confrontamos com realidades sobre as quais nunca nos tínhamos questionado. É o caso dos adjectivos ruço/a e russo/a, termos que fazem parte do vocabulário do nosso quotidiano. Habituados que estamos às representações que temos de cada uma dessas palavras, é natural a nossa reacção de estranheza perante a colocação de qualquer uma em tal frase. Mas, perante a dúvida, a nossa primeira escolha seria, naturalmente, a do adjectivo ruça, usado habitualmente para designar um certo tom («pardo, pardacento, debotado») de pêlo ou de cabelo, elemento caracterizador do aspecto físico de um animal (ou de uma pessoa), uma vez que russa remete para a questão da nacionalidade, ou seja, nascida na Rússia. De qualquer forma, um e outro são termos que evidenciam uma particularidade no objecto que caracterizam, marcando a diferença em relação a qualquer outro, um pelo aspecto físico e outro pela nacionalidade. Por outro lado, consideramos que não será inoportuno revelar aqui o que descobrimos sobre outros sentidos de ruço e russo, aquando da pesquisa que realizámos para a fundamentação desta resposta. Não é novidade para ninguém que uma e outra palavras tanto podem ser substantivos/nomes como adjectivos; mas a surpresa que nos é fornecida pelo Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora reside precisamente em ambas as formas se relacionarem, enquanto substantivos, com dois animais. Assim, enquanto ruço designa «cavalo, macho ou burro de pêlo ruço» (valor que surge também noutros dicionários), russo (para além da língua e do habitante da Rússia), por sua vez, significa também «porco, suíno». Estranho, não é? Observe-se, contudo, que não é plausível que, nesta frase, a forma russo tivesse o referido sentido, porque, além de constituir uma redundância ou um pleonasmo, teríamos seriam dois substantivos a quererem dizer o mesmo («porca russa» = «porca e suína»).